segunda-feira, 10 de junho de 2013

Alô, alô, chamando da zona política americana

Deu para entender?
Para quem se frustra aqui nos EUA com a falta de cooperação entre os partidos ou a inglória dificuldade de encontros políticos em uma zona de intersecção em nome do bem da nação, são dias excepcionais para dissipar a frustração. O problema é que as coalizões montadas são uma zona, na esteira das revelações sobre a magnitude do aparato de vigilância que se insere na luta contraterrorista.
Uma dança de nomes sobre a doideira do debate deixará zonzo um brasileiro que não acompanha o dia-a-dia da política americana, portanto eu corro o risco aqui de simplificar, embora precise dar alguns destes nomes. No geral, o establishment no Congresso ficou com a versão da Casa Branca de que os programas de vigilância são necessários, legais e limitados. Com isto, para este establishment, não faz sentido uma narrativa orwelliana.
Existe fúria com o vazamento (a fonte que se apresentou é Edward Snowden, um ex-funcionário da CIA e que prestava consultoria para a Agência de Segurança Nacional, NSA, na sigla em inglês) e contra o principal recipiente das revelações, o blogueiro, advogado e radical de esquerda Glenn Greenwald (que escreve no jornal inglês The Guardian). Na televisão, no domingo, o deputado republicano Mike Rogers, chefe da comissão de inteligência da Câmara, mal escondia sua raiva com a diatribe criminosa de quem fizera o vazamento (e isto antes mesmo que Snowden viesse a público, do seu refúgio em Hong-Kong, que na explicação dele é China, mas não é China).
Já sobre Greenwald, o lendário advogado Alan Dershowitz (em geral, pró-Obama) escreveu que ele personifica os traços paranóicos da política americana e vive justificando o terror contra os EUA e Israel.  É possível traçar paralelos entre este caso e o episódio Wikileaks, envolvendo o soldado Bradley Manning (que está sendo julgado em corte marcial) e Jules Assange, asilado na embaixada equatoriana em Londres. Equador é Equador mesmo. Greenwald é um entusiasmado defensor de Assange.
Senadores influentes dos dois partidos repetem que danos profundos foram causados à segurança nacional com as recentes revelações. Vale lembrar que para a coalizão indignada com este aparato de vigilância, visto como uma afronta às liberdades civis, o establishment bipartidário no Congresso não passa de cúmplice dos governos Bush e Obama, pois foi informado da existência dos programas secretos e aquiesceu.
Na imprensa, o conservador Wall Street Journal, vociferante contra o governo abusivo e malevolente de Obama em outros escândalos recentes (como o da receita federal), em editorial ,”alertou que, em meio a reais abusos do poder, existe a tentação política de amarrar a garimpagem de dados a uma narrativa sobre um governo fora de controle. Tal oportunismo poderá apenas enfraquecer nossa defesa contraterrorista e colocar em perigo o país”.
Com o liberal New York Times, tradicional pilar de apoio ao governo Obama, foi o contrário. Pouca indignação com os outros escândalos e a denúncia sobre a falta de credibilidade do governo nesta questão do aparato de vigilância (embora a versão do editorial no papel tenha sido suavizada em relação ao texto publicado originalmente online).
Nesta zona, o New Tork Times foi para a cama com uma coalizão que é rotulada de “liberal-tária”. Seria a fusão de liberais (como os esquerdistas são conhecidos nos EUA) e libertários de direita (mas aqui também temos os de esquerda). Senadores nas bordas dos dois partidos estão juntos, como o democrata Roy Wyden e o republicano Mike Lee.
E nada mais incrível do que ter neste coro estridente, figuras como os senadores Bernie Sanders, o único assumidamente socialista, e Rand Paul, marca registrada do movimento libertário e porta-estandarte do Tea Party. São setores que, por motivos diferentes, suspeitam e consideram que o governo seja nocivo aos interesses da nação, mas se unem em algumas causas, como esta de denunciar o complexo militar e de inteligência.
É fácil denunciar políticos por hipocrisia, oportunismo e inconsistência (o senador e candidato presidencial Barack Obama com suas perorações liberais e promessas de transparência é diferente do presidente Barack Obama, forçado a sair das sombras com as revelacões sobre o aprofundamento do seu governo no estado de vigilância), mas muitas das figuras citadas acima, ao longo do espectro, sempre estiveram no mesmo lugar, com sua coerência.
A minha impressão inicial é a de que a coalizão indignada com o aparato de vigilância não terá capital político para virar o jogo no Congresso, além de alguns paliativos na legislação e nas regras operacionais, diante da força do establishment. Mais incerto para mim é como reagiria a Corte Suprema caso receba o caso, argumentando a inconstitucionalidade destes programas operados no governo Bush e agora no de Obama.
Um ponto interessante nesta convoluta controvérsia foi o encontro na zona de intersecção de algumas figuras díspares que sempre estiveram no mesmo lugar. Vamos deixar claro que Obama está com sérios problemas de crediblilidade, com sua honestidade crescentemente questionada nas pesquisas de opinião pública, mas que ironia! O presidente prometeu governar acima das tradicionais divisões partidárias. Nesta questão dos Estados da Vigilância da América, ele conseguiu diferentes uniões, a favor e contra.

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