Do Contas Abertas
No
pronunciamento que fez na última sexta-feira (21), a presidente Dilma
Rousseff afirmou que a Lei de Acesso à Informação (12.527) “deve ser
ampliada para todos os poderes da República e instâncias federativas”.
Segundo a presidente, a legislação, em vigor desde maio de 2012, é um
poderoso instrumento do cidadão para fiscalizar o uso correto do
dinheiro público. “Aliás, a melhor forma de combater a corrupção é com
transparência e rigor”, finalizou. Apesar disso, os caminhos da própria
transparência federal vêm sendo tortuosos.
No final
de maio, por exemplo, o governo colocou sob sigilo todas as informações
relativas às viagens que a presidente Dilma Rousseff ou seu vice, Michel
Temer, já fizeram ou vierem a fazer ao exterior. Os dados só poderão
ser divulgados depois que ela deixar o Palácio do Planalto, em 31 de
dezembro de 2014. Ou, se reeleita, após 2018.
Outro
ponto é o retrocesso na transparência orçamentária. O Plano Plurianual
(PPA) 2012/2015 definiu as políticas públicas federais com a finalidade
de organizar sua atuação de forma a alcançar eficiência e eficácia. A
inovação dessa versão vigente é que o elo entre o PPA e o Orçamento não é
mais a ação orçamentária, papel agora supostamente desempenhado pelas
"iniciativas" constantes do próprio Plano.
Porém,
não existe na Lei Orçamentária Anual (LOA) a classificação "iniciativa"
associada ao valor autorizado da despesa. No Projeto de Lei Orçamentária
Anual (Ploa) constava, somente, em um dos anexos, a associação entre as
ações orçamentárias e as "iniciativas". Assim sendo, é uma odisseia
verificar se os programas e as ações orçamentárias são compatíveis com
as "iniciativas" e metas do PPA.
Além
disso, a própria Lei de Acesso à Informação, exaltada pela presidente
por ter sido sancionada no seu governo, ainda enfrenta resistência em
algumas instâncias da administração federal. A abrangência da
legislação, que é um marco para transparência e controle social no
Brasil, a princípio envolvia as empresas públicas e sociedades de
economia mista. Porém, paralelamente, as empresas estatais foram
gradativamente dispensadas da obrigatoriedade.
No
primeiro artigo da Lei de Acesso, fica clara a subordinação das empresas
públicas e sociedades de economia mista, sem restrições, ao regime, a
não ser para informações de caráter ultrassecreto, secreto e reservado.
Com a publicação do decreto 7.724, entre outros dispositivos, no qual a
presidente Dilma Rousseff exigiu a publicação na internet da íntegra das
folhas de pagamento, incluindo os nomes dos funcionários, começaram as
restrições.
Segundo o
texto, a divulgação de informações de empresas públicas, sociedade de
economia mista e demais entidades controladas pela União que atuem em
regime de concorrência, estão submetidas às normas da Comissão de
Valores Mobiliários, a fim de assegurar a competitividade, governança
corporativa e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários.
Essa situação já acontecia anteriormente e não alterou a transparência e
formas de divulgação de dados das entidades.
A
“escapada” final aconteceu com a portaria interministerial no 233, de 25
de maio do ano passado, que regulamentou a publicação da remuneração
dos servidores e eximiu as estatais de divulgarem os vencimentos dos
empregados.
O art. 6
versa sobre quais estatais serão obrigadas a publicar a remuneração de
seus empregados: as empresas públicas, sociedades de economia mista e
demais entidades controladas pela União que não atuam em regime de
concorrência, não sujeitas ao disposto no art. 173 da Constituição, ou
seja, que envolvam segurança nacional ou relevante interesse coletivo.
Para
tentar igualar essas entidades à regra que a maioria do funcionalismo
público já segue desde a implantação da Lei de Acesso, o senador Roberto
Requião (PMDB-PR) propôs, por meio da Proposta de Emenda a Constituição
(PEC) 03, de 2012, a alteração do inciso 6º do art.39 da Constituição
Federal, que menciona: “os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
publicarão anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos
e empregos públicos”.
Se
aprovada, o inciso passa a valer da seguinte maneira: “os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os valores do
subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos e divulgarão
mensalmente e mediante relação nominal os valores pagos, a qualquer
título, a seus membros e aos seus servidores, inclusive das empresas
públicas e sociedades de economia mista, ressalvados, motivadamente, os
casos cujo sigilo de identificação do servidor seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”.
Já
aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado
Federal, segundo Requião, a PEC consolida o entendimento do que já
estava disposto na Constituição Federal. Apesar disso, durante a votação
na CCJ, o senador afirmou que a comissão recebeu pressão da Petrobras.
“A pressão que a Comissão recebeu foi da Petrobras, uma empresa pública,
com a direção nomeada pelo governo federal, objeto de preocupação e
investigações sérias hoje, por parte das oposições e mesmo da situação”,
afirmou o senador.
O senador
Humberto Costa (PT/PE) chegou a propor emenda que redimia a Petrobras
de divulgar os salários. No texto, reprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça, o senador diz que por a Petrobras atuar em
regime de livre concorrência e ser uma estatal não dependente (autonomia
financeira para pagamento de despesa com pessoal ou custeio em geral),
ela não deveria ser inclusa no rol das empresas obrigadas a divulgar os
salários dos servidores.
“Sugere-se
que, se mantida a expressão "inclusive empresas públicas e sociedades
de economia mista", seja-lhe acrescida a classificação "que receberem
recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios
para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral", afirmava a
cláusula.
O senador
Luiz Henrique (PMDB/SC) opinou favoravelmente à emenda proposta por
Humberto Costa, considerando-a adequada para o desenvolvimeno do país.
“Empresas como a Petrobras têm tido os seus técnicos, os seus
engenheiros, os seus especialistas assediados por empresas do setor, e o
conhecimento público dos salários dessas pessoas poderia provocar uma
evasão ainda maior de técnicos da nossa maior estatal, que vem sendo
prejudicada por esse assédio”, explicou o parlamentar.
Segundo o
senador Alvaro Dias (PSDB/PR), “não se justifica mais o sigilo em
relação a gastos públicos”. O parlamentar comparou a necessidade da
divulgação de salários dos servidores da Petrobras com os gastos com
cartão corporativo. “É evidente que essa transparência é necessária. Nós
abominamos a clandestinidade, por exemplo, dos gastos de cartões
corporativos. A Presidência da República gasta milhões de reais
sigilosamente, com os cartões corporativos [...] Temos de acabar com
essa clandestinidade”.
O senador
Pedro Simon (PMDB/RS) também se mostrou favorável a proposta de Requião
e contrário a emenda de Humberto Costa. “As manchetes de jornais de
todo o Brasil noticiam uma luta ridícula, na minha opinião, inclusive,
do Poder Judiciário, juízes, desembargadores, tribunais estaduais,
órgãos dos Tribunais de Contas, para não publicar salários porque dizem
que causa problemas, coloca as pessoa em condições de serem atingidas
porque os ladrões vão entrar na casa delas para roubar porque elas
ganham demais. Acho que, sinceramente, o absurdo é ter que botar na
Constituição e só assim ser garantido, porque essa matéria era para ser
aceita há muito tempo”, afirma o senador.
A
senadora Ângela Portela (PT/RR), participou do preparo e apresentaçãoda
PEC e diz favorável a divulgação dos salários pelas empresas públicas:
“Não há razão para que a administração indireta, aí incluídas as
empresas públicas e sociedades de economia mista, deixe de fazê-lo.
Trata-se de questão elementar da transparência. A sociedade tem todo o
direito de saber o que é feito com os tributos que recolhe”.
Estatais evitam se pronunciar
O Contas
Abertas entrou em contato com as sociedades de economia mista Banco do
Brasil, Eletrobras e Petrobras e com as empresas públicas Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Econômica Federal,
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e Infraero, para
saber a posição dessas empresas em relação à tramitação da PEC.
O Banco
do Brasil e a Caixa informaram que não comentam leis e projetos em
tramitação. A ECT e a Petrobras afirmaram que aguardam decisão para se
pronunciarem. A Eletrobras e o BNDES não responderam a solicitação do
Contas Abertas.
De olho na transparência
O portal
da Infraero é o único, entre as empresas constatadas, que publica
mensalmente a remuneração de todos os servidores da empresa. A pesquisa
pode ser feita nominalmente, como pede a PEC 3/2012. O Contas Abertas
procurou pelo salário do presidente da Infraero, Antonio Gustavo Matos
do Vale. De acordo com o sistema, a remuneração bruta do servidor em
maio foi de R$ 35.062,13. Segundo a empresa, as pesquisas podem ser
realizadas desde março.
O site do
Banco do Brasil o da Petrobras não divulgam nenhuma informação sobre os
salários dos servidores. Nos portais do BNDES e da Eletrobras só há
dados sobre os últimos concursos realizados. No da Caixa, há informações
sobre os salários médios de cada cargo, mas não nominalmente. A ECT
divulga no site o plano de carreira dos Correios, com o salário dos
cargos, mas não dos servidores.

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