Do Contas Abertas
A
Copa das Confederações, evento teste para a realização do mundial de
2014, evidenciou a incoerência dos gastos do governo. Com filas em
hospitais, falhas na educação e problemas de infraestrutura históricos,
os investimentos do governo para os megaeventos esportivos tornaram-se
um dos principais alvos dos protestos que levaram mais de 250 mil
pessoas às ruas na segunda-feira (17).
A
realização da Copa do Mundo vai custar R$ 28 bilhões. Desse total,
segundo o Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU),
R$ 8,9 bilhões estão previstos para mobilidade urbana, R$ 7 bilhões
para aeroportos e R$ 2,2 bilhões para segurança pública, aplicações que
deixariam legado, mas que estão custando a sair do papel. Apenas 12,7%
dos recursos destinados a esses itens específicos foram executados e
menos da metade está contratado.
A
construção dos 12 estádios, por sua vez, já tem 60% dos recursos
executados e 96% contratados. Ao todo, R$ 7,1 bilhões estão orçados para
os “monumentos do futebol”. Com os recursos destinados às arenas da
Copa do Mundo de 2014, seria possível construir 8 mil escolas para as
séries iniciais do ensino fundamental ou adquirir 39 mil ônibus
escolares. Além disso, 28 mil quadras poliesportivas poderiam ser
implementadas ou modernizadas para o esporte educacional.
Em outras
comparações, os R$ 7,1 bilhões investidos nos estádios poderiam também
ser utilizados para a construção de 2.842 km de trechos rodoviários,
mais da metade da extensão da BR-116, a principal rodovia brasileira,
passando por dez estados. O montante também pode ser equiparado a
construção de 1.421 km de trechos ferroviários. Na área social, o valor
aplicado nos templos do futebol equivale a aproximadamente 128 mil casas
populares do programa Minha Casa, Minha Vida.
Os
valores investidos nas arenas da Copa são tão significativos que
correspondem, em valores correntes, ao gasto global do Ministério da
Cultura entre 2001 e 2011. Além disso, os R$ 7,1 bilhões aplicados nas
arenas representam aproximadamente sete anos de dispêndios do Ministério
do Esporte, considerando como base o que foi gasto em 2012.
Para o
secretário executivo do Ministério do Esporte, Luis Fernandes, "não há
contradição entre os investimentos sociais e os investimentos que
estamos fazendo para a Copa do Mundo”. O representante do Ministério
defendeu os recursos usados na competição porque entende que eles se
revertem em desenvolvimento para o país. Fernandes até disse que também
terão impacto em saúde e educação, áreas que os manifestantes
reivindicam que tenha mais dinheiro, em detrimento da competição.
No
entanto, para o especialista em gestão pública José Matias Pereira, em
relação aos estádios, o Estado está desenvolvendo esforços para realizar
um conjunto de obras que reconhecidamente não irão gerar efeitos
positivos no funcionamento da economia. “Realizar essas obras é como um
cidadão que não tem o que comer comprar um iate ou uma casa de campo. Em
termos de retorno para o país, esses investimentos são baixíssimos. A
população vai pagar algo pelo qual ela não foi consultada se queria”,
explica.
Segundo o
professor da Universidade de Brasília (UnB), quando observamos a
questão dos estádios há verdadeiras aberrações, como é o caso do Estádio
Mané Garrincha, em Brasília. “O estádio, uma das mais caras arenas do
mundo, é emblemático por natureza. Fica bem no centro da capital do
país, que cada vez mais sofre com a falta de investimentos em mobilidade
urbana. É um absurdo inaceitável”, afirma.
A
construção do Estádio Mané Garrincha custou R$ 1,2 milhão, 79% a mais do
que a previsão inicial de R$ 671 milhões. Enquanto isso, a construção
do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Brasília foi excluída da Matriz
de Obras da Copa, documento que lista todas as medidas necessárias para a
preparação do Brasil para o Mundial.
De acordo
com Pereira, esse quadro não demonstra o olhar de um país que pretende
criar condições de bem estar para a população. “Estamos falando de
recursos públicos que vão fazer falta na hora em que o país tiver
efetivamente, e finalmente, um planejamento de longo prazo bem definido.
Nessa hora, o governo não poderá ignorar que além das construções e
reformas, os estádios possuem custos fixos de manutenção muito
elevados”, explica.
O
especialista afirma ainda que se fosse realizada correlação entre os
custos dos nossos novos “monumentos da paixão nacional”, chegaríamos a
conclusão de que estamos atrasando a capacidade de termos uma
infraestrutura melhor. “Esses recursos poderiam estar sendo empregados
em benefício da população”, conclui.
Pereira
ressalta os diversos protestos pelo país demonstram que estamos
vivenciando um momento muito especial, em que os cidadãos se mostram
descontentes com governos sem capacidade de dialogar com o povo e
assumindo investimentos como os da Copa do Mundo. “O tempo, e eu lamento
por isso, vai mostrar o enorme erro que os governantes fizeram ao
assumir os gastos com os estádios, que não levam a nada. Esses
monumentos possuem destinatários específicos: construtoras, políticos e
todos que de alguma maneira tiram benefícios diretos e indiretos, legais
ou ilegais, de obras dessa dimensão”, conclui.
Para o
deputado Romário, presidente da Comissão de Esporte e Turismo da Câmara,
a não concretização do legado social é o pior dos cenários. “O tão
falado legado para a população parece ter ficado só no papel. Quase
todas as obras de transporte estão atrasadas, a inauguração de algumas,
inclusive, já foi remarcada para ocorrer somente após o Mundial, fora as
que foram canceladas”, reforçou.
Segundo
o deputado, a quantidade de estádios foi um gasto desnecessário. “Posso
afirmar que desses 12 estádios, apenas seis terão vida própria, com
eventos para sustentá-los. Se os governadores tivessem questionado a
população sobre qual era a prioridade deles, certeza que não seria
estádio, mas sim educação, saúde e transporte", conclui.

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