(*) Lígia Fleury –
Cada palavra, cada imagem que retrata os jovens nas ruas clamando por
algo, nos mobiliza. A questão é como e pelo que eles se unem.
Para os que leem notícias, é óbvio que há de tudo um pouco nesse
movimento: há aqueles que têm sim consciência de estarem vivendo em um
país governado por corruptos, por bandidos qualificados, pela
insegurança que sentimos em casa e nas ruas, pelo total descaso com a
saúde e educação, por um abandono completo ao sistema de transporte. Há,
também, os infiltrados, que estão ali por serem tão ou mais bandidos do
que aqueles que os recrutam para saquear, para desmoralizar um
movimento totalmente legítimo em suas reivindicações, para ultrajar,
novamente, as ações dos cidadãos de bem. Há aqueles que estão ali nem
por isso ou aquilo, mas que sem consciência crítica alguma, vão seguindo
amigos na multidão. E há os que atuam em causa própria, apenas para se
sentirem parte de um grupo.
O que foi feito com a conquista dos caras pintadas? O que foi feito com a conquista das Diretas Já? E com o Impeachment?
Precisamos olhar para essa parte da história do Brasil e fazermos
tudo diferente, se queremos realmente melhorar nossa condição de vida.
Como? De imediato, tendo a clareza de que não somos bons em tudo nem o
tempo todo; reconhecendo que temos nossas competências e nossas
fraquezas e permitindo que cada um atue nas suas competências, buscando
aprimorá-las e superando suas deficiências.
Quem é bom no circo, que faça o seu melhor na arte de divertir os
outros. Seja O Malabarista, O Palhaço, O Mágico, mas faça a diferença
ali, naquela arena. É bom cantor? Suba aos palcos, cante, encante,
divirta as pessoas, faça-as se emocionarem. Seja O Artista, mas faça a
diferença ali, naquele palco. É bom esportista? Jogue, corra, salte.
Empenhe-se em alegrar milhões de brasileiros com sua aptidão. Mas faça a
diferença, ali, naquele campo. É bom em alta costura? Desenhe, crie,
modele. Dê o seu melhor para embelezar os corpos de homens e mulheres.
Mas faça a diferença ali, com seus holofotes, no seu ateliê.
Assim como o médico tem obrigação de buscar a cura para os doentes, o
lixeiro de retirar o lixo das lixeiras, o carteiro de fazer chegar a
correspondência ao destinatário, o professor de ensinar, todos os
profissionais têm a responsabilidade de fazerem o seu melhor. No
trabalho, além do próprio sustento, há que se buscar a realização de
vida! Mas… cada um no seu quadrado.
E, na minha visão, essa é a grande falha nossa, do povo brasileiro.
Jogamos fora todas as tintas que usamos para pintar as caras e ir às
ruas, na década de 90. Esquecemos a importância de um voto e, sem
cultura nenhuma, elegemos, em sua imensa maioria, pessoas totalmente
despreparadas para a função política, além de muitos maus-caracteres
para nos representar. Mesmo que os autores dessa façanha enfadonha
contra o Brasil não tenham sido eleitos por mim, sinto-me responsável
também, pois sou parte dos brasileiros. Não é o momento de me eximir. Ao
contrário; o caos está aí, vamos transformá-lo em possibilidades
positivas.
Então, se não somos bons em votar, que aprendamos a fazê-lo, porque
somos nós os grandes responsáveis por encorajar quem não entende nada de
política a subir em palanques e pedir votos. Por isso política virou
sinônimo de roubo, mau-caratismo, indecência. Porque não sabemos votar e
rimos quando cidadãos incapazes para a ação de governar, se candidatam
sem plano de governo, apenas com o carisma conquistado, seja pela sua
competência em comunicação, seja pela sua audácia em vencer na vida –
depende do que se entende por vencer na vida – às custas dos eleitores
ignorantes.
As famílias precisam conversar sobre esse movimento da última semana,
frisando que é apenas a ponta de um novelo enorme, mas que precisa ser
desenrolado e enrolado novamente, da maneira correta. Como? Com ética,
sem se deixar corromper. O poder corrompe? Não generalizo; pessoas
éticas não são corrompidas; pessoas que têm essência e dignidade, podem
assumir o poder e se manterem incólumes. São princípios que nascem na
família!
As escolas não podem deixar passar essa oportunidade de aprendizagem
que ultrapassou as paredes e os muros da sala de aula. Se, por um lado, a
rua traz a droga, a sexualidade pervertida, os desencantos, dessa vez a
rua está trazendo a melhor chance para se fazer educação. Os
professores precisam discutir questões históricas, sociais, políticas,
noção de grupo, de trabalho pela sociedade; precisam instigar seus
alunos a pensarem como se faz história e para qual mundo querem
trabalhar. É hora de tirarmos aquela frase linda do papel – que existe
na quase totalidade das escolas, em seu Projeto Político Pedagógico,
“desenvolver o senso crítico e o espírito de cidadania do aluno”- e
colocá-la em prática. É hora de levar a rua para a sala de aula.
Os jovens são eleitores! Quem colocou no poder o cantor, o estilista, o palhaço, o ex-jogador?
Eleição não é brincadeira e Brasília precisa deixar de ser uma tenda
de circo, um campo de futebol, um palco, um ateliê, para virar capital
do Brasil.
O Brasil, depois desse movimento todo, não pode se calar diante das
aberrações que aí continuam. Vamos aceitar médicos estrangeiros? Vamos
permitir que continuem as filas nos hospitais? Crianças fora da escola?
É chegada a hora de planejar. Planejar o que fazer com esse barulho.
Podemos continuar esse movimento cobrando que assumam ministérios e
secretarias apenas pessoas qualificadas para tal, impedindo que
sexólogos assumam a pasta da Cultura, que administradores queiram
comandar a Educação. Chega de tiro no próprio pé.
Em nossas mãos há uma oportunidade que não é a primeira, mas que
precisa colocar um ponto final nessa “desgovernança”, nessa baderna, na
total falta de respeito a uma nação inteira.
Passou da hora de sermos prudentes. Estamos atrasados, mas sempre é tempo!
(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.

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