Antena ligada – A indignação é grande na Europa com o programa
secreto de monitoramento Prism (sigla em inglês para Métodos
Sustentáveis de Integração de Projetos), dos EUA.
Segundo informações reveladas na semana passada pelos jornais
Washington Post (WP) e The Guardian, os serviços de inteligência
norte-americanos usaram o programa para acessar diretamente servidores
de grandes empresas de internet, analisando e-mails, telefonemas,
vídeos, fotos e outros tipos de comunicação. As autoridades
norte-americanas justificaram as ações como sendo parte de investigações
sobre ameaças à segurança dos Estados Unidos.
Mas alguns peritos europeus não se surpreenderam com as denúncias do
ex-empregado da CIA (Agência Central de Inteligência, o serviço secreto
dos EUA) Edward Snowden, que no último fim de semana revelou ser o
delator do esquema de espionagem do governo norte-americano na internet e
agora tem paradeiro desconhecido em Hong Kong, no sul da China.
“O que Snowden revelou sobre o Prism já era conhecido há muito por
alguns entendidos”, diz Benjamin Bergemann, autor no blog alemão
netzpolitik.org e membro da associação alemã Sociedade Digital. Em
entrevista à Deutsche Welle, ele lembra que um relatório encomendado
pelo Parlamento Europeu já mostrou em 2012 que “as autoridades
americanas têm permissão para acessar dados desde 2008. Não foi
surpresa.”
O relatório de 2012 fez duras críticas aos legisladores europeus,
afirmando que, na União Europeia (UE), os cidadãos não têm consciência
de que existe a possibilidade de uma vigilância política das massas. Os
autores do documento notaram como “grave” o fato de “nem a Comissão
Europeia [órgão executivo da UE] nem os legisladores nacionais terem
conhecimento sobre emendas à FISAA [sigla inglesa para Emenda à Lei de
Vigilância da Inteligência Internacional]“, que já estavam em vigor há
três anos no momento em que o estudo do Parlamento Europeu foi
publicado.
O relatório chegava à conclusão que “a União Europeia negligencia a
proteção de seus cidadãos” porque a lei permitia às autoridades
norte-americanas o acesso a dados de cidadãos – incluindo não-americanos
fora dos EUA – nas chamadas “nuvens” (bases de armazenamento de dados
na internet e acessíveis de qualquer lugar do mundo).
Foco na China e na Rússia
“Por muito tempo, os europeus investiram suas forças num só lado da
luta contra crimes de internet e a proteção da rede mundial de
computadores”, avalia Julien Jeandesboz, do Centro interuniversitário de
Estudos sobre Conflitos e um dos autores da pesquisa. “O foco da UE era
sobre como os cidadãos do bloco poderiam ser ameaçados por certas
tendências, mas essas tendências não incluíam as chamadas ameaças
patrocinadas por governos”, explica o especialista.
Os europeus, segundo ele, debatiam sobre hackers, roubo de identidade
ou sobre a regulamentação das empresas de internet. Quando se tratava
de atividades promovidas por Estados, o foco europeu se voltava para a
China ou a Rússia – e não para “a relação muito sensível com os EUA,
também por motivos políticos”, explica Jeandesboz.
Por outro lado, leis norte-americanas como o Patriot Act – que
permitia a investigadores norte-americanos escutas indiscriminadas como
medidas antiterror após o 11 de Setembro de 2001 – foram debatidas
fervorosamente na UE.
“Mas uma coisa é tomar medidas contra os infratores privados, os
chamados ‘cibercriminosos’, e outra coisa é tomar medidas contra o
governo dos EUA”, reconhece Jeandesboz. “Afinal de contas, os Estados
Unidos são um importante aliado e parceiro comercial para a maioria dos
governos da UE, além de ser o líder mundial como provedor de serviços de
internet. É uma questão delicada.”
O blogueiro Benjamin Bergemann ressalta que os usuários europeus de
serviços como a rede social Facebook ou a ferramenta de buscas Google
devem pelo menos considerar que os serviços de inteligência europeus
podem se beneficiar das atividades dos norte-americanos, conforme relato
divulgado pelo jornal britânico The Guardian. “Como usuário, pergunto:
que interesse os EUA podem ter em mim? Então, não devemos esquecer que
as autoridades policiais europeias também têm um interesse nisso e que
pode haver algo como uma coalizão de interesses na troca desses dados”,
observa Bergemann.
Porém, só ficará claro se as autoridades europeias tiraram proveito
das informações recolhidas pelos EUA ao longo das investigações sobre o
caso, acrescenta o blogueiro.
“Jogado no lixo”
Enquanto internautas europeus podem impedir o acesso a dados pessoais
na Justiça, nos Estados Unidos isso não é possível. Porém, os europeus
não têm ideia do que fazer com a própria legislação quando se trata da
transferência internacional de dados. “É notável que muitas leis
aprovadas nos EUA hoje também afetem os cidadãos da UE”, diz Nicholas
Hernanz, do Center for European Policy Studies, um instituto de
pesquisas em Bruxelas. “E o direito desses cidadãos, de autodeterminar
sobre os próprios dados, é simplesmente jogado no lixo. Então, a
situação legal causa preocupação a qualquer um.”
Talvez muitos lobistas dos EUA tenham conseguido impedir a
implementação de regras mais rigorosas de proteção de dados vindas da
UE, lamenta o ativista digital Benjamin Bergemann. Ele tem esperança
que, agora, a importância da proteção de dados e da privacidade volte a
receber mais atenção nos processos legislativos do bloco dos 27. “Se a
descoberta do Prism não servir como um estopim, então nada mais será
capaz de inflamar esse debate”, opina Julien Jeandesboz. “Considerávamos
essa amplitude na coleta de dados possível, mas não provável.”
Jeandesboz ainda completa: “Se equipararmos o argumento da segurança
com outros direitos humanos, então podemos justificar tudo em nome dessa
segurança. A segurança tem de ser um meio e não um fim.”
Na opinião de Benjamin Bergemann, a descoberta do sistema Prism
revela que “o temor ao terrorismo e o conceito de segurança preventiva
originado desse medo chegaram ao seu ponto máximo”.
Já existem muitas ideias sobre como a UE pode proteger os seus
cidadãos do recolhimento de dados pelos Estados Unidos. Mas falta
consenso, especialmente num momento em que a UE discute sobre uma
diretriz que prevê regulamentar a proteção de dados e que deverá ser
votada antes das legislativas europeias, em 2014.
Também há sugestões de que sejam incluídas advertências em sites
norte-americanos, informando que a página é sujeita às leis dos EUA e,
portanto, ao controle potencial das autoridades norte-americanas. Outras
propostas preveem a concessão de proteção legal para denunciantes como
Edward Snowden. Observadores dizem que se pode exercer pressão política
sobre os EUA para que seja assinado um acordo de apoio jurídico com a UE
– um dispositivo que não existe atualmente.
Porém, ainda segundo especialistas, não adianta só olhar para os EUA.
Mesmo dentro da UE deve haver uma maior discussão sobre a tendência em
se sacrificar o sigilo de dados pessoais em prol da luta contra o
terrorismo, pois até na União Europeia o conceito de segurança
preventiva ganha importância. Bergemann cita uma lei aprovada na
Alemanha no início de maio. “Nela, os operadores de telecomunicação
foram obrigados a disponibilizar às autoridades uma interface eletrônica
na qual elas podem ter acesso a endereços IP. Então podemos ver que
essas tendências também existem por aqui na Europa.” (DW)
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