Do Contas Abertas
Na
reunião que realizou ontem com governadores e prefeitos, a presidente
Dilma anunciou que irá destinar R$ 50 bilhões para novos investimentos
em obras de Mobilidade Urbana. Historicamente, porém, os recursos
destinados para a área apresentam execução pífia. Nos últimos 11 anos
(2002 a 2012), em valores constantes (atualizados pelo IGP-DI, da FGV),
R$ 6,8 bilhões foram autorizados para ações de mobilidade urbana, porém
apenas R$ 1,3 bilhão foram efetivamente aplicados, o equivalente a
19,1%.
Neste ano, o programa
orçamentário “Mobilidade Urbana e Trânsito”, que promove a articulação
das políticas de transporte, trânsito e acessibilidade, aplicou apenas
13,3% do total de recursos previstos para o exercício (R$ 1,5 bilhão). O
percentual equivale a R$ 205,7 milhões.
O programa, que teve o
nome alterado por três vezes desde 2002, possui a finalidade de
proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano de forma
segura, socialmente inclusiva e sustentável. Para tanto, o Ministério
das Cidades prioriza a implementação de sistemas de transportes
coletivos, de meios não motorizados (pedestres e ciclistas), de
integração entre as diversas modalidades de transportes, bem como a
difusão do conceito de acessibilidade universal para garantir a
mobilidade de idosos, pessoas com deficiência ou restrição de
mobilidade.
O Ministério das Cidades
(MCidades), responsável pelo programa, ponderou que o investimento do
governo federal em Mobilidade Urbana deve ser medido também pelos
recursos empenhados e não apenas pelos recursos pagos. Os recursos
empenhados para o programa entre 2002 e 2013, no entanto, representaram
apenas 37,8% do total disponível.
De acordo com a Pasta, o
pagamento é realizado conforme a medição da obra. O processo de
desembolso acontece da seguinte forma: o ministério libera o recurso
para a Caixa Econômica Federal que, por sua vez, repassa aos municípios e
estados, conforme medição da execução da obra.
O MCidades afirmou ainda
que, como descentraliza recursos para os municípios, Estados e Distrito
Federal, o pagamento das obras está diretamente ligado à eficiência e
eficácia da gestão local, o que apresenta problemas. “As principais
dificuldades encontradas pelos entes federados na execução das obras
estão relacionadas à conclusão dos projetos de engenharia, obtenção de
licenciamento ambiental, execução de procedimentos licitatórios e
questões relacionadas aos deslocamentos involuntários (desapropriações,
remoções, reassentamentos, entre outros)”, afirma o ministério. Para
tentar mudar este cenário, no exercício de 2012 e 2013, o ministério tem
apoiado a elaboração de projetos. O objetivo é melhorar a execuções dos
programas.
Para Aílton Brasiliense,
presidente Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), dentre as
providências que precisam ser desenvolvidas pelo governo federal no
setor estão cursos de capacitação. “Os gestores necessitam no mínimo
saber fazer projetos. Além disso, os municípios não podem estar com o
nome sujo e apresentar problemas de capacitação técnica. Devem estar
atentos para o tamanho das obras, se falta qualidade e pesquisa, se os
empreendimentos seguem os parâmetros mínimos e se não estão
desvinculados da questão da habitação e do transporte integrado”,
explica.
Copa 2014Além das obras do programa orçamentário, especialmente para a Copa do Mundo de 2014, o governo disponibilizou R$ 11,9 bilhões para serem investidos em projetos de mobilidade urbana nas 12 cidades-sede. Porém, essas aplicações diminuíram R$ 3 bilhões em relação à previsão inicial da Matriz de Responsabilidades da Copa, documento que estabelece os compromissos da União, estados e municípios com ações referentes ao evento. De acordo com as últimas atualizações do Portal da Transparência, a previsão atual de investimentos caiu para R$ 8,9 bilhões, dos quais apenas 16% estão concluídos e 69% estão contratados.
A diminuição pode ser
explicada tendo em vista que, apenas em 2012, seis grandes obras foram
retiradas da Matriz de Responsabilidades. Estes empreendimentos estavam
orçados em R$ 4,7 bilhões e equivaliam na época a 38% dos investimentos
totais em mobilidade urbana – que eram de R$ 12,3 bilhões no início do
ano passado.
As construções do Veículo
Leve sobre Trilhos em Brasília, do monotrilho de São Paulo, do corredor
exclusivo para ônibus em Salvador e do corredor metropolitano em
Curitiba estão entre as obras excluídas da Matriz. Em Manaus, foram
retiradas as construções do corredor exclusivo para ônibus e do
monotrilho, tornando a cidade a única das sedes que não receberá obras
em mobilidade urbana.
As obras de mobilidade
urbana nas cidades que receberão os jogos da Copa e estão previstas na
Matriz de Responsabilidades possuem linha de crédito especial da Caixa
Econômica Federal. Como o documento prevê que apenas empreendimentos que
ficarem prontos até o início do Mundial podem receber recursos da
Caixa, a retirada pode ser vista como uma manobra dos governos estaduais
para as obras não ficarem sem o financiamento da União. Sendo assim, os
governos podem pedir outra linha de financiamento ao Ministério do
Planejamento, como os recursos do PAC Mobilidade.
Embora outras sete ações
tenham sido incluídas na Matriz em 2012, o valor previsto para a
execução destas é bem menor do que o montante que as obras retiradas
representariam nos investimentos em mobilidade urbana. Juntas, elas
somam R$ 641 milhões ao orçamento.
TCU aponta lentidão
Em decorrência de
determinação proferida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que
cuidou de levantamento das ações de governo nas áreas aeroportuária, de
mobilidade urbana, de estádios e de turismo, fontes de maior impacto na
realização da Copa do Mundo de 2014, o Tribunal instaurou processo de
fiscalização centralizada, com o objetivo de consolidar as fiscalizações
realizadas sobre os diversos temas afetos à realização do evento, as
quais revelam a situação das ações governamentais voltadas à realização
da Copa do Mundo de 2014 até 31/7/2012.
Mesmo após ser objeto de
análise, a situação referente às obras de mobilidade urbana apresentou
modesta evolução, apontou o tribunal. “Se, por um lado, dos 49
empreendimentos faltam apenas cinco operações a serem contratadas junto à
Caixa Econômica Federal, por outro, em apenas onze contratos houve
desembolsos pela instituição financeira. Em 33 operações há uma série de
pendências para a liberação do primeiro desembolso. Observou-se ainda
que boa parte das obras ainda não foi sequer iniciada”, afirma
relatório.
O TCU também alertou os
órgãos responsáveis de que a conclusão das obras até o mundial
constituía condição necessária para a utilização do Regime Diferenciado
de Contratação (RDC) – Lei 12.462/2011 – e para a flexibilização dos
limites de endividamento estabelecidos na Resolução 43/2001 do Senado
Federal.
Ainda em relação à Copa
do Mundo de 2014, o Tribunal constituiu monitoramento para dar
continuidade à fiscalização das ações gerenciais a cargo do Ministério
do Esporte (ME), com foco em duas vertentes: a primeira, relativa à
avaliação da regularidade das avenças pactuadas pelo ME para o
gerenciamento e coordenação dos preparativos para a Copa do Mundo; e a
segunda, voltada à apreciação da atualização da matriz de
responsabilidades do Mundial de 2014 e do acompanhamento, pelo ME, do
andamento de cada ação listada no documento.
“Identificou-se que,
apesar dos avanços empreendidos com a atualização do primeiro ciclo da
matriz, que envolve a infraestrutura de base, compreendendo os estádios,
a mobilidade urbana e os portos e aeroportos, ainda estariam ausentes
certas ações como, por exemplo, obras de entorno dos estádios de
futebol”, afirma o relatório de contas do governo federal.
Além disso, de acordo com
o Tribunal, diante da falta de informações detalhadas sobre o andamento
das ações do segundo e terceiro ciclos e da reformulação do quadro
diretivo do ME, considerou-se prudente reiterar determinação para que
fosse apresentado cronograma com descrição das etapas, prazos e metas
para a publicação do segundo ciclo da matriz de responsabilidades em
cada uma das áreas de ação de planejamento, a exemplo de hotelaria,
segurança e telecomunicações.
Em relação às obras da
Copa, para o presidente da ANTP, faltaram projetos que integrem a
necessidade dos estádios com as rotinas básicas das cidades. “Nós não
temos problemas para ir e voltar de estádios, temos problemas para ir e
voltar do trabalho, da escola, principalmente em horários de pico. O
atendimento ao lazer não pode ser prioritário, mas sim parte de um
projeto maior para o bem comum”, explica.
PAC Mobilidade
Além do programa
orçamentário e das obras específicas para a Copa, ações para mobilidade
urbana também estão incluídas no eixo Cidade Melhor do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), cujo objetivo é fortalecer a capacidade
dos centros urbanos em prover condições adequadas de transporte
coletivo.
Dentro das ações desse
tipo, que ficaram conhecidas como “PAC Mobilidade Urbana”, constam
aquelas voltadas para grandes cidades, PAC Mobilidade Urbana – Grandes
Cidades, consideradas como as que possuem mais de 700 mil habitantes, ou
seja, os 24 municípios mais populosos do país, e o PAC Mobilidade
Urbana – Médias Cidades, para municípios que possuem de 250 mil a
setecentos mil habitantes.
Segundo o último balanço
do programa, as grandes cidades possuem 50 ações já iniciadas. Apesar
disso, apenas duas já foram concluídas: a obra do Trem Metropolitano de
Fortaleza – Linha Oeste e o Trem Urbano de Salvador, no trecho de
Calçada a Paripe. O PAC Mobilidade Urbana – Grandes Cidades foi lançado
em 2011, com abertura de edital para seleção de projetos a serem
apresentados pelos municípios. Em abril de 2012 apresentou-se a relação
de projetos beneficiados. A previsão é que R$ 52 bilhões sejam
aplicados.
Em julho de 2012 foi
lançado o PAC Mobilidade Urbana – Médias Cidades, operacionalizado pela
Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (Semob), do
Ministério das Cidades. O programa tem previsão de dispêndios da ordem
de R$ 8,6 bilhões, na modalidade financiamento. Ao todo, 63
empreendimentos que devem beneficiar 59 municípios ainda estão em fase
preparatória.
As ações passíveis de
apoio por parte do governo federal dizem respeito à implantação e
melhoria de infraestrutura de transporte público coletivo, inclusive
terminais de integração e estações, à aquisição de equipamentos visando
integração, controle e modernização dos sistemas e elaboração de
projetos e estudos associados ao empreendimento proposto. O programa
previu explicitamente que ações isoladas e não integradas a projetos de
sistema de transporte coletivo, como pavimentação e recapeamento de vias
e construção de ciclovias, não seriam apoiadas.
Segundo o TCU, assim como
já foi visto em outras ocasiões, houve repactuação de prazos de alguns
empreendimentos, de um ano para o outro. Desse modo, a construção do
trecho Lapa do Metrô de Salvador passou de março de 2012 para junho de
2013; a implantação do trecho São Leopoldo Novo Hamburgo, de setembro de
2012 para agosto de 2013; a linha centro do Metrô de Recife, de
setembro de 2012 para junho de 2013; e a linha sul do Metrô de Recife,
que passou de abril de 2013 para dezembro de 2013. Apesar disso, as
obras são consideradas com o ritmo adequado no balanço do PAC.
Pacto pela mobilidade
Estopim para a onda de
protesto que tomou o Brasil nas últimas semanas, o transporte coletivo
de qualidade passou a ser uma das preocupações da presidente Dilma
Rousseff. Apesar da quantidade de recursos já destinada para a área, na
abertura de reunião com prefeitos de capitais e governadores, a
presidente afirmou que irá destinar mais recursos para facilitar o
transporte das pessoas, nas cidades. "Decidi destinar mais R$ 50 bilhões
para novos investimentos em obras de mobilidade urbana", disse a
presidente. E ela admitiu que essa ação reflete demanda dos protestos
realizados recentemente no País. "Essa decisão é reflexo do pleito por
melhoria no transporte coletivo no nosso País", enfatizou.
Dilma afirmou que nos
últimos anos Brasil tem tido grande investimento em transporte coletivo e
defendeu que o pacto que proposto precisa assegurar participação da
sociedade na discussão política do transporte. "Estou criando o Conselho
Nacional de Transporte Público, com a sociedade civil e usuários",
explicou. "A criação de conselhos semelhantes em municípios será
extremamente importante", disse a presidente, remetendo ao compromisso
de prefeitos na tarefa.
Aílton Brasiliense lembra
que em obras de mobilidade urbana há que se considerar diversas
dificuldades e burocracias. “As pessoas imaginam que as cidades estão
disponíveis para a obra de metrô, por exemplo. Mas a maioria dos
municípios não possui sequer cadastros dos diversos serviços que
utilizam o subsolo. Além disso, muitas vezes é preciso lidar com
desapropriações, ou seja, o grande problema inicial é a implantação da
obra”, expõe.
Dessa forma, para Aílton,
não adianta ter muitos recursos financeiros e passar mais de 12 meses
sem saber como realizar as ações. “Há que se cumprir uma série de
burocracias. Essas obras não possuem a simplicidade que a população
imagina. Os problemas são de ordem técnica, social, ambiental, etc. Os
empreendimentos de mobilidade urbana possuem características próprias
muito específicas, por isso demora tanto”, conclui

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